Sunday, March 26, 2006

os mal-amanhados

Após a grande defesa de Rubinho, na passada quinta-feira, um sentimento de alegria e uma enorme vaidade se apoderou do meu espírito. Pela segunda época consecutiva, a equipa com o mais baixo orçamento anual do campeonato da primeira liga de Portugal, segue para o Jamor para disputar a final da taça de Portugal, defrontando o Futebol Clube do Porto.
Ora, o que é que isto nos diz? Para muitos iluminados, não quer dizer nada, mas para este blogueiro, encafuado na sua escuridão espiritual, é o sinal que o dinheiro ainda não é tudo.
É verdade que o meu clube teve, e segundo alguns rumores, ainda tem ordenados em atraso, tem no seu plantel alguns dos tijolos mais quadrados a fazer de pés do mundo, possui uma massa associativa das mais mal-amanhadas de sempre, possui um estádio velho, desconfortável, mal iluminado e mais uma vez, mal-amanhado, possui um treinador que fugiu da gloria enquanto jogador, e cujas capacidades como técnico são directamente proporcionais à sua capacidade de se manter sóbrio num sábado à noite. Enfim, não consigo enumerar mais qualidades sem pesquisar profundamente nas raízes do meu neurónio e meio. Mas acima de tudo, o Vitória é, foi e irá continuar a ser o espelho da sua cidade. Uma cidade pobre, deprimida, poluída e, como não poderia deixar de ser, mal-amanhada. Mas é mesmo ai que reside a força que nos conduz ao Jamor, a mal-amanhadice, crónica, que não nos pode levar às desejadas férias no Brasil, mas leva-nos numa carrinha Ford Transit, cheia de febras, carvão, fogareiro, minis, minis, e talvez uma grade ou duas de minis. É essa mal-amanhadice que nos torna felizes e que nos caracteriza, a nós e ao Vitória, o original!!! Não temos as estrelas do campeonato, temos os craques do Vitória, que podem não ter aonde cair mortos, mas aqui no Vitória “fazem-se”!
E dia 14 lá estarei…

Sunday, March 19, 2006

Fazem-me confusão...

...as pessoas que dizem que não gostam de música. Fazem-me confusão as pessoas que não ouvem música regularmente. Fazem-me confusão as pessoas que sacam éme-pê-três soltos em vez dos álbuns inteiros. Faz-me confusão quem não gosta dos Stones ou dos White Stripes. Fazem-me confusão as pessoas que não percebem a importância do Prince na música contemporânea. Faz-me confusão o hip-hop. E o gangsta-rap...

Podia estar aqui durante mais uma mão cheia de linhas a enumerar factos. No entanto, o meu objectivo quando comecei a escrever esta prosa não era esse. Era antes de dar a entender que a música é uma parte importante na minha vida. Não toco nenhum instrumento, mas gosto de ouvir música, de ouvir com os fones e escutar os mais ínfimos pormenores, de conhecer a discografia completa dos artistas que gosto, de pesquisar, de conhecer coisas novas... Gosto de idolatrar os músicos, de os ver ao vivo, de pedir autógrafos aos meus ídolos... Tenho-os em consideração, num patamar acima dos dos simples mortais. Gosto de ler sobre música e sempre achei que aqueles críticos (parasitas?) que vivem da música, recebendo discos de graça para escrever mal sobre eles, tinham a melhor profissão do mundo.

Por isso, quando comecei a escrever sobre música para uns sítios e comecei a ter a oportunidade de entrevistar alguns músicos que aprecio, caí naquela coisa maçadora que é a realidade e finalmente apercebi-me que os músicos são humanos como nós, pessoas como nós, que falam e se enganam como nós, o que lhes tira um pouco de fascínio.
É por isso que nunca deixei de pedir autógrafos.

Thursday, March 16, 2006

Gouchaxploitation

Nos anos 70 surgiu um género de filmes que rapidamente foi apelidado de exploitation. Este cinema - também conhecido como trash - sacrifica as tradicionais noções do cinema artístico, em detrimento de um sensacionalismo atroz sobre determinados temas, principalmente os mais chocantes: sexo, violência ou o gore.
Serve estas linhas para introduzirem o programa que acorda Portugal naquela que é a estação portuguesa mais sensacionalista, a TVI; falo, obviamente, de Você Na TV, o programa da manhã apresentado pelo íncontornável Manuel Luís Goucha (e a sua panóplia interminável de casacos abichanados) e Cristina Ferreira.

Confesso que nos últimos meses assisti a alguns pedaços do programa. Não de expontânea vontade, mas porque coincide de vez em quando com o horário em que almoço (ou tomo o pequeno-almoço, conforme o expediente de trabalho) e uma vez que apenas tenho os quatro canais generalistas lá na cozinha, por uma razão ou outra acabo por manter a televisão na TVI. Nestas poucas (mas traumatizantes) ocasiões em que assisti ao Você Na TV, apanhei uma rubrica do programa que, daqui a uns anos, quando formos ver ao diccionário a definição da palavra "sensacionalismo", estará a ilustrar uma fotografia desse espectáculo televisivo.

Aquilo é uma espécie de Jerry Springer com pessoas e factos reais, em que tentam mascarar com um facto de dignidade e respeito. Na rubrica em questão, o Goucha e a sua colega, recebem um convidado cuja vida é uma verdadeira tragédia (quanto mais trágica melhor). Primeiro, ouve-se um relato pormenorizado na primeira pessoa, com uma voz lúgubre ao som de uma música dramática, encomendada a um Vangelis wannabe, para depois o Goucha dizer triunfantemente que o vão ajudar, sobre clarins e cornetas. Parece uma intenção nobre, não parece? Pois, garanto que não o é. E vou ilustrar esta minha prosa com alguns exemplos que presenciei.

Há pouco tempo compareceu no programa a mãe de uma rapariga de vinte e tal anos que era bulímica e anoréxica. As duas doenças que durante anos assombravam a vida da jovem tinham-na deixado fisicamente debilitada e, durante três quartos de hora, o Goucha e a outra dissecaram todos os problemas da vida das duas mulheres, indo até ao mais ínfimo pormenor. Soube-se que a jovem não podia dobrar-se porque tinha a válvula do estômago relaxada e vomitava por tudo e por nada, soube-se dos horrores que a mãe passou, ouviu-se os relatos da jovem que continuava a achar-se gorda. Depois deu-se a voz a psicólogas e tentou passar-se a ideia que a intenção daquela entrevista seria alertar as jovens de que a anoréxia é uma doença grave. Mas não! De repente, caiu o pano e foi revelada toda a verdade: a mãe da jovem era pintora naife (rótulo que se dá aos cotas que não sabem pintar, mas que gostam de gastar guache) e aquilo serviu como pretexto para lhe fazerem uma surpresa: tinham-lhe arranjado uma exposição num restaurante da Baixa da Banheira(!). Rapidamente se esqueceu a anorexia, a bulimia e a jovem debilitada, para se centrarem naquela mãe pintora. Bravo senhor Goucha!

Outro episódio fantástico, foi quando o convidado foi um rapazote com uns quinze anos, cujo sonho era dançar. Dançar, mas aquelas coreografias manhosas que acompanham os D'zrt. Lá estava o jovem muito envergonhado, que gostava de dançar (e que depois pela demonstração que fez tinha tanto jeitinho para aquilo como eu tenho para tratar de camelos), quando o grande Goucha, mete a sua capa de super-herói para trás e pergunta triunfantemente "Sabes quem te trouxe aqui?". E sob uma resposta negativa do jovem, entra em cena a sua namorada adolescente, que sob uma chuva de aplausos se vai sentar no banco oposto, sem lhe dirigir palavra. Conclusão: ambos já não namoravam e, inclusive, não se falavam. O resto da entrevista foi então feita com respostas monossilábicas e ainda mais interessante do que já tinha sido até ao momento. You did it again, mr Goucha.

Noutro dia, estava em estúdio a mãe de uma adolescente que sofria de obesidade mórbida. Relataram-se episódios dramáticos, verteram-se cascatas de lágrimas de tristeza e desgosto, até que entra em cena um médico especialista, via telefone, que começa a explicar a situação: a jovem podia ser operada, mas deveria ser primeiro acompanhada por outros especialistas, nomeadamente nutricionistas e psicólogos, por uma série de razões que começou a enumerar. Nisto, já cansado de tanto palavreado, o incomparável Goucha faz uso do seu Goucha power e interrompe-o, perguntando "E diga-me, vai ter encargos para a mãe?". O médico responde do outro lado da linha que da parte dele fará tudo de graça para a pobre família e mal diz a palavra "de graça" é-lhe cortada a chamada, entra a triunfante música, qual Marcha Das Valquírias e o super-Goucha e a sua acompanhante desmancham-se numa torrente de palmas, que o emocionado público acompanha. É tão generoso o senhor Goucha...

Por fim, outro episódio. Estava em estúdio uma senhora cujo filho tinha-se enforcado há uns aninhos atrás. O objectivo? Tentar perceber, com a ajuda de uma psicóloga, o que leva os jovens a suicidarem-se. Claro que fizeram a velhota recordar o dia que encontrou o filho pendurado pelo pescoço, fizeram-na inundar em lágrimas, para depois a psicóloga dizer coisas tão interessantes e nada óbvias como "os jovens quando estão deprimidos agarram-se ao computador" e coisas do género. Como no final não podiam fazer muito pela senhora, lá lhe pagaram a dívida no supermercado para poderem terminar o programa ao som dos clarins triunfantes. É a verdadeira gouchaxploitation!

Saturday, March 11, 2006

O Dia da Mulher, a world music, a pornografia e o Ali Farka Touré

Já passaram três dias, mas só hoje é que ganhei coragem (e força de vontade sobre a preguiça) para escrever sobre isso - o Dia da Mulher é uma daquelas coisas que me irrita profundamente.

É verdade que a facilidade com que agora se promulgam dias de qualquer coisa (existe o Dia Internacional da Chave-Inglesa, o Dia Internacional Anti-McDonald's ou o Dia Internacional da Biblioteca Escolar, só para mencionar os três mais ridículos que me apareceram na primeira página da busca do google) levam esse conceito, rapidamente, para um abismo de vulgaridade. Mas o Dia Internacional da Mulher é algo que fica noutro patamar. Pior que isso, só mesmo as mulheres que se orgulham desse dia.

Desde que as mulheres deixaram de ser condescendentes perante a sua presença passiva na sociedade, lutando contra a segregação da mulher da mesma forma que se já havia lutado contra a segregação racial, que o principal grito de revolta é o direito à igualdade. Ora, partindo automaticamente do princípio que há um dia internacional para a mulher, isso significa que não há igualdade entre os sexos. E partindo ainda do facto de ter sido um dia criado a partir da iniciativa de um grupo de mulheres, então rapidamente chegamos à conclusão que nem as próprias mulheres, que apregoam a sua igualdade perante os homens, se consideram iguais. Ou será que é como dizia Orwell, de que somos todos iguais, mas há uns mais iguais que os outros?.

Por isso, o Dia Internacional da Mulher é uma coisa ridícula, quase pornográfica. Equiparo isso a outro facto que, ao ser criado na tentativa de conceder igualdade de direitos, apenas acentuou a sua segregação: falo da world music.

O termo world music serve, dentro do senso comum, para designar todos os estilos musicais que não se identifiquem com os moldes musicais anglo-saxónicos. Ou seja, tudo o que é feito fora da Europa e da América do Norte e que não é rock, pop e seus derivados, é vulgarmente designada de música do mundo. E isso já é tão vulgar e insuspeito, que ninguém acha esquisito que a música cigana da Macedónia, o fado de Portugal ou o afrobeat da Nigéria sejam postos no mesmo saco da chamada música do mundo. Mais ridículo só pensar que música do mundo é aquela música típica de certas partes do mundo. Mas o country norte-americano não seria também world music para um chinês?

É certo que os rótulos na música só fazem sentido na FNAC, para podermos procurar certos discos mais facilmente. E mesmo assim, certas vezes, encontramos algumas barbaridades. Como aquele CD de Mr. Bungle que uma vez encontrei junto da música metal. Mas não é disto que queria falar; estas linhas anteriores serviram sobretudo de introdução para o assunto realmente importante: o da morte de Ali Farka Touré.

O músico do Mali desapareceu esta semana, vítima de doença prolongada (e desconhecida). Disseram que morreu na cama, em paz e a sorrir, depois de ter passado os últimos meses a tocar solitariamente com o seu filho e a recordar o concerto em Monsanto como o último da sua vida (foi na realidade o penúltimo, mas parece que o concerto em Nice não correu nada bem, recebendo inclusive insultos racistas do público).
O blues sempre foi um dos cartões de visita dos Estados Unidos, um estilo de música tipicamente americano, criado pelos escravos negros dos campos de algodão junto ao Mississipi. No entanto, quando o mundo começou a escutar com atenção um certo estilo de música vinda do Mali, chegou-se à conclusão que era ali que estavam as raízes do blues, antes de criadas as rotas migratórias da escravatura ocidental.

Ali Farka Touré foi o maior ícone da música do Mali. Levou o seu blues do deserto a todo mundo, venceu dois grammys, colaborou com Ry Cooder, Taj Mahal e outros músicos ocidentais conceituados e participou activamente no melhoramento do seu Mail natal, construindo dezenas de escolas e outras infra-estruturas. Ali Farka era um africano com um cahpéu de cowboy, que frequentemente apelidavam de Johnny Lee Hooker africano. Mas ele era mais uma espécie de Jimi Hendrix africano na forma como se tornou num ícone popular.

Agora, com a sua morte vão-se sobrepôr as referências, as reedições e os tributos. Perde-se o homem, ganha-se a memória. Pode ser que agora mais gente lhe dê o merecido reconhecimento que não recebeu em vida.

Friday, March 10, 2006

Post desprovido de qualquer pingo de imaginação

Se o Mário Mata,
a Florbela Espanca,
o Armando Gama
e o Jorge Palma,

O que é que a Rosa Lobato Faria?

Thursday, March 09, 2006

O “novo” jornalismo televisivo

Não sei se já repararam, mas os telejornais estão de certa forma, tão bons quanto o resto da programação televisiva portuguesa. De facto, nos últimos dias, a quantidade de reportagens no exterior transmitida nos telejornais, jornais nacionais e tudo por ai fora é inversamente proporcional à qualidade das mesmas. No entanto, é nos telejornais da tvi, essa grande difusora da cultura e da imparcialidade jornalística, que acontecem as situações mais obscenas no que diz respeito ao interesse das mesmas. Ora, se cada vez mais a luta pelas audiências é um factor preponderante na escolha das notícias apresentadas nos serviços informativos, devo dizer que é com agrado que vejo a tvi a apostar em camadas mais desfavorecidas da sociedade, tais como os sem abrigo, até porque esses, apesar de todas as vicissitudes de uma vida parca em recursos, não são obrigados a assistir a tal desgraça jornalística.
Os directos no exterior são sem dúvida, das obras mais macabras e mais insólitas que já passaram na televisão mundial. Isto porque para além da manifesta inoperância e incompetência dos repórteres, os assuntos abordados são na maioria dos casos, do tempo da Maria Cachucha, ou seja, tem tanto interesse como uma poça de água na berma de uma estrada. No entanto, algumas destas reportagens são exaustivamente anunciadas durante todo o serviço informativo, como se da cura para o cancro se tratasse. Assim, uma questão me passa repetidamente pela cabeça: será que há alguém que vê esta… coisa?

Friday, March 03, 2006

Noddy

Se há um boneco que me irrita solenemente é o Noddy. Não há boneco mais coninhas que o Noddy. Eu até nem costumo usar o adjectivo "coninhas", mas neste caso parece que foi feito à medida. É que o nível de interesse que o boneco consegue despertar é nulo. Irrita-me o Noddy e irrita-me a Hello Kitty, de tão coninhas que são. Mas o Noddy é mesmo o pior.

Quando começou, nos anos 50, no bom velho tempo do stop motion, a série tinha duas personagens pretas. Bem, não eram bem pretas, eram golliwogs (aqueles bonecos pretos com os lábios vermelhos e os olhos esbugalhados). Mas foram o suficiente para levantarem celeuma quando se começou a levantar questões sobre a segregação racial e coisas parecidas. Ou seja, de certa maneira, a série foi acusada de racismo e teve que subsituir os bonecos. Temos então aqui um boneco racista. Isto deveria-lhe dar um certo ar rebelde, um certo interesse. Mas não! Continua o mesmo coninhas de sempre. O que a animação digital ainda veio acentuar.

Em 1988 os ingleses Current 93 (onde estava o Boyd Rice, por exemplo) lançaram um álbum (bastante bom, por sinal) chamado Swastikas For Noddy, que mais tarde, quando saiu em CD, foi alterado para Goddy, por causa dos direitos de autor. Mas um álbum com este nome não lhe devia dar uma aura de misticismo ou coisa do género? Não deveria apetecer fazer uns pins com o Noddy e usa-lo ao lado do outro que diz punk's not dead?

Pois, o que é certo é que o raio do boneco continua um coninhas, mesmo com este contexto todo por trás. Maldito sejas.