Thursday, March 16, 2006

Gouchaxploitation

Nos anos 70 surgiu um género de filmes que rapidamente foi apelidado de exploitation. Este cinema - também conhecido como trash - sacrifica as tradicionais noções do cinema artístico, em detrimento de um sensacionalismo atroz sobre determinados temas, principalmente os mais chocantes: sexo, violência ou o gore.
Serve estas linhas para introduzirem o programa que acorda Portugal naquela que é a estação portuguesa mais sensacionalista, a TVI; falo, obviamente, de Você Na TV, o programa da manhã apresentado pelo íncontornável Manuel Luís Goucha (e a sua panóplia interminável de casacos abichanados) e Cristina Ferreira.

Confesso que nos últimos meses assisti a alguns pedaços do programa. Não de expontânea vontade, mas porque coincide de vez em quando com o horário em que almoço (ou tomo o pequeno-almoço, conforme o expediente de trabalho) e uma vez que apenas tenho os quatro canais generalistas lá na cozinha, por uma razão ou outra acabo por manter a televisão na TVI. Nestas poucas (mas traumatizantes) ocasiões em que assisti ao Você Na TV, apanhei uma rubrica do programa que, daqui a uns anos, quando formos ver ao diccionário a definição da palavra "sensacionalismo", estará a ilustrar uma fotografia desse espectáculo televisivo.

Aquilo é uma espécie de Jerry Springer com pessoas e factos reais, em que tentam mascarar com um facto de dignidade e respeito. Na rubrica em questão, o Goucha e a sua colega, recebem um convidado cuja vida é uma verdadeira tragédia (quanto mais trágica melhor). Primeiro, ouve-se um relato pormenorizado na primeira pessoa, com uma voz lúgubre ao som de uma música dramática, encomendada a um Vangelis wannabe, para depois o Goucha dizer triunfantemente que o vão ajudar, sobre clarins e cornetas. Parece uma intenção nobre, não parece? Pois, garanto que não o é. E vou ilustrar esta minha prosa com alguns exemplos que presenciei.

Há pouco tempo compareceu no programa a mãe de uma rapariga de vinte e tal anos que era bulímica e anoréxica. As duas doenças que durante anos assombravam a vida da jovem tinham-na deixado fisicamente debilitada e, durante três quartos de hora, o Goucha e a outra dissecaram todos os problemas da vida das duas mulheres, indo até ao mais ínfimo pormenor. Soube-se que a jovem não podia dobrar-se porque tinha a válvula do estômago relaxada e vomitava por tudo e por nada, soube-se dos horrores que a mãe passou, ouviu-se os relatos da jovem que continuava a achar-se gorda. Depois deu-se a voz a psicólogas e tentou passar-se a ideia que a intenção daquela entrevista seria alertar as jovens de que a anoréxia é uma doença grave. Mas não! De repente, caiu o pano e foi revelada toda a verdade: a mãe da jovem era pintora naife (rótulo que se dá aos cotas que não sabem pintar, mas que gostam de gastar guache) e aquilo serviu como pretexto para lhe fazerem uma surpresa: tinham-lhe arranjado uma exposição num restaurante da Baixa da Banheira(!). Rapidamente se esqueceu a anorexia, a bulimia e a jovem debilitada, para se centrarem naquela mãe pintora. Bravo senhor Goucha!

Outro episódio fantástico, foi quando o convidado foi um rapazote com uns quinze anos, cujo sonho era dançar. Dançar, mas aquelas coreografias manhosas que acompanham os D'zrt. Lá estava o jovem muito envergonhado, que gostava de dançar (e que depois pela demonstração que fez tinha tanto jeitinho para aquilo como eu tenho para tratar de camelos), quando o grande Goucha, mete a sua capa de super-herói para trás e pergunta triunfantemente "Sabes quem te trouxe aqui?". E sob uma resposta negativa do jovem, entra em cena a sua namorada adolescente, que sob uma chuva de aplausos se vai sentar no banco oposto, sem lhe dirigir palavra. Conclusão: ambos já não namoravam e, inclusive, não se falavam. O resto da entrevista foi então feita com respostas monossilábicas e ainda mais interessante do que já tinha sido até ao momento. You did it again, mr Goucha.

Noutro dia, estava em estúdio a mãe de uma adolescente que sofria de obesidade mórbida. Relataram-se episódios dramáticos, verteram-se cascatas de lágrimas de tristeza e desgosto, até que entra em cena um médico especialista, via telefone, que começa a explicar a situação: a jovem podia ser operada, mas deveria ser primeiro acompanhada por outros especialistas, nomeadamente nutricionistas e psicólogos, por uma série de razões que começou a enumerar. Nisto, já cansado de tanto palavreado, o incomparável Goucha faz uso do seu Goucha power e interrompe-o, perguntando "E diga-me, vai ter encargos para a mãe?". O médico responde do outro lado da linha que da parte dele fará tudo de graça para a pobre família e mal diz a palavra "de graça" é-lhe cortada a chamada, entra a triunfante música, qual Marcha Das Valquírias e o super-Goucha e a sua acompanhante desmancham-se numa torrente de palmas, que o emocionado público acompanha. É tão generoso o senhor Goucha...

Por fim, outro episódio. Estava em estúdio uma senhora cujo filho tinha-se enforcado há uns aninhos atrás. O objectivo? Tentar perceber, com a ajuda de uma psicóloga, o que leva os jovens a suicidarem-se. Claro que fizeram a velhota recordar o dia que encontrou o filho pendurado pelo pescoço, fizeram-na inundar em lágrimas, para depois a psicóloga dizer coisas tão interessantes e nada óbvias como "os jovens quando estão deprimidos agarram-se ao computador" e coisas do género. Como no final não podiam fazer muito pela senhora, lá lhe pagaram a dívida no supermercado para poderem terminar o programa ao som dos clarins triunfantes. É a verdadeira gouchaxploitation!