Ai se sêsse
Zé da Luz foi um poeta popular do nordeste brasileiro, uma espécie de José Aleixo pernambucano. Um dos seus poemas mais marcantes é Ai Se Sêsse que, segundo a lenda, foi escrito quando disseram a Zé da Luz que para falar de amor era necessário um português correcto e, consequentemente, absurdo. O resultado foi um dos mais divertidos e bonitos poemas da língua portuguesa, que os Cordel De Fogo Encantado imortalizam nas suas actuações. Ei-lo:
Se um dia nóis se gostasse
Se um dia nóis se queresse
Se nóis dois se impariasse
Se juntim nóis dois vivesse
Se juntim nóis dois morasse
Se juntim nóis dois drumisse
Se juntim nóis dois morresse
Se pro céu nóis assubisse
Mais porém se acontecesse
E São Pedro num abrisse
A Porta do céu e fosse
Lhe dizê qualqué tulice
E se eu me arriminasse
E se tu cum eu insistisse
Pra que eu me arresolvesse
E minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tarvez que nóis dois ficasse
Tarvez que nóis dois fugisse
E o céu furado arriasse
E as virge toda fugisse
Bonecos à beira de um ataque de nervos
Anoiteceu outra vez. Mais um dia terminou na Rua Sésamo. As pessoas recolhiam às suas casas, cada vez mais degradadas naquela rua que já não era a mesma de antes. O tempo passara, as pessoas envelheceram, os mais velhos morreram, como a Avó Xica, e os mais novos, como a Guiomar e o André, partiram. As grandes superfícies comerciais acabaram com o comércio tradicional e até a mercearia da Rua Sésamo foi à falência. Agora, só resta o Ferrão, com o barril cada vez mais esburacado, o Poupas, que vai arrumando uns carros no parque de estacionamento do Shopping dos Olivais, o Egas e o Becas, que continuam a esconder a sua homossexualiade, e mais uns quantos bonecos que continuam a (sobre)viver.
Não há nada para se fazer na Rua Sésamo. Até a Tasca que durante algum tempo ocupou a noite dos velhos amigos parece ter batido no fundo, onde só os carochos vão beber um abafadinho à noite. O Poupas ainda recorda quando ia com o Monstro das Bolachas, aos Sábados, à Galeria Zé dos Bois, curtir uma sonoridade muito à frente, e o Conde de Contar relembra com saudade quando tinha posses financeiras para fazer compras na FNAC, enchendo as prateleiras do seu castelo com CDs e DVDs importados. Agora, não havia nada para fazer nem dinheiro para mandar cantar um ceguinho.
Até que um dia, reunidos à volta do barril do Ferrão, os amigos tiveram uma ideia. E se fizessem como aqueles rapazolas de Coimbra e formassem uma banda de rock'n'roll para combater o tédio?
Assim o fizeram e, todos juntos, combinaram as suas influências e conhecimentos musicais e começaram a ensaiar na cave do castelo do Conde de Contar. Assim, o Ferrão recuperou os seus CDs do Tom Waits e improvisou uma balada trôpega ao piano, embriagado pela garrafa de whisky que se tornara agora a sua companheira. Pouco depois, o fascínio que o Monstro das Bolachas nutria pelo Mike Patton reflectiu-se quando compôs um tema experimental, perto do noise de projectos como os Fantômas. O Poupas, que tinha sido quem teve a ideia, não quis ficar atrás e, com a mania que sabia compôr melhor que aquela gente toda, quis fazer uma canção pop como os seus ídolos de sempre, os Beatles e os Beach Boys.
Ao fim da primeira noite já estavam todos mais animados e nos ensaios seguintes começaram a surgir composições conjuntas, com muitos lalalas em coro, instrumentos perdidos que o Ferrão encontrava no fundo do barril, junto à plantação de agripinos e cannabis e algum experimentalismo étnico. E no final da semana, já tinham treze temas, que eram bem suficientes para gravar um disco, caso alguma editora se interessasse por eles.
Era fixe se houvesse este disco, não era? Pois, o que é giro é que ele existe mesmo. Não foi feito pelos bonecos da Rua Sésamo, mas bem que podia ter sido. Foi antes obra de uns senhores chamados Man Man, intitula-se "Six Demon Bag" e é um dos álbuns de 2006. Uma introdução tão grande e tão parva só para recomendar um disco, já viram.
A Santa Trindade do rock
The Kinks - You Really Got Me
The Who - My Generation
The Rolling Stones - Satisfaction
