Monday, December 18, 2006

(...)as pescarias de baleias constituem hoje em dia um refúgio para a infinidade de tipos românticos, melancólicos e despistados, que fogem com asco às inquietudes febris do mundo moderno em busca de um pouco de sentimento entre o pez e a gordura de uma baleia.

Herman Melville, Moby Dick

Monday, December 11, 2006

O Último Grande Herói ou Ensaio Sobre o Herói de Acção no Cinema

Os filmes de acção são um pouco mal vistos nos círculos mais importantes do cinema. Os críticos e os pseudo-intelectuais não gostam de falar dos heróis de acção; para eles, interessam mais os filmes a preto e branco, a exploração do cariz sentimental e telúrico das personagens com o contexto espaço-temporal que integram e outras coisas deste tipo que só eles é que gostam de discutir. Contudo, o cinema de acção ocupa um lugar fulcral nos círculos cronológicos da sétima arte. E até dariam um interessante ensaio.

De início, o cinema de acção limitava-se a algumas histórias simples e aos géneros da ficção-científica, dos westerns e dos film noirs. Pelo meio haviam as raras excepções que confirmam a regra, especialmente com a adaptação de alguns heróis literários: o Sherlock Holmes ou o Tarzan, por exemplo.



Não era então um cenário animador - o cinema de acção era automaticamente truncado pelas convenções moralistas e conservadoras dos anos 40 e 50. A ficção-científica era um género menor, utilizado (leia-se abusado) vezes sem conta como metáfora anti-comunista (as invasões constantes do "planeta vermelho" dizem-vos alguma coisa?) em plena guerra fria; os westerns também tinham o seu quê de propaganda, fiél ao sonho americano, ao nascimento da nação e às lutas com os índios, esteriotipados como usurpadores do direito ao progresso; e os film noir eram "banais" histórias policiais. Por isso, para nós, amantes da violência gráfica, viver nos anos 50 teria sido uma seca.

Nos anos 60 o panorama começava a mudar com o aparicemnto dos dois primeiros heróis de acção - o Santo e o James Bond. Mesmo assim o segundo vinha directamente da literatura. Por isso, as coisas só começaram a mudar mesmo nos anos 70. A fase de ouro do cinema clássico de Hollywood tinha acabado - os filmes eram quase obras formatadas, feitas em linhas de série e a saturação atingiu o público. Socialmente, a situação também não era animadora - o Vietname revoltava os jovens, o recente movimento hippie desafiava as convenções instaladas e nascia a contra-cultura. Como pontas-de-lença deste movimento aparecia um grupo fundamental para a história do cinema - os movie brats, um grupo de jovens que viriam agitar o marasmo cinematográfico.

Francis Ford Coppola, Martin Scorcese, Brian de Palma, Steven Spielberg... Estes jovens realizadores, marcados pelo contacto socio-político que se vivia, cansados do cinema clássico e inspirados pelo cinema de autor europeu, injectaram no cinema vitalidade, novas convenções, novos moralismos e... violência gráfica e sexo. Nascia o cinema contemporâneo como hoje o conhecemos. E o cinema de acção. Até o western tinha mudado, com os italianos a transformarem-nos em apologias violentas - o western spaghetti.



Era também nos anos 70 que um então desconhecido realizador revisitava o western clássico Rio Bravo e transformava-o num action flick urbano - Assalto À Esquadra 13. John Carpenter era esse jovem cineasta e criava assim o primeiro filme de acção puro e duro.

Com o passar dos anos iam caindo as barreiras uma a uma. Os explotation movies, a banalização da pornografia (Garganta Funda, anyone?)... já tudo era possível no cinema e ninguém achava estranho. Por isso, o cinema de acção atingiu o seu auge nos anos 80. E os eighties foram do caraças.

Nesta década, o cinema de acção atingiu o extremo - sem sentimentalismos, histórias complexas ou outros desvios de atenções. Nasciam os verdadeiros action heroes, onde tudo o que era necessário eram explosões, tiros, mortes, sangue e sexo (não necessariamente por esta ordem). As histórias não tinham que fazer muito sentido nem serem muito complexas. Aliás, havia só uma história que depois era transformada recorrentemente. Era a década de Arnold Schwarzenneger, Sylvester Stallone, Chuck Norris, Steven Seagal, Jean Claude Van Damme e Dolph Lundgren.



Hollywood só tem um objectivo em vista na sua linha de horizonte: a facturação. Extrema. E sem limites, de preferência. Por isso, explora os seus filões exaustamente. Assim, o action flick descambou em algo completamente ridículo, quando passou de simples divertimento a objecto capitalista. Apostados em transformarem aqueles filmes descomplexados e descontraídos em grandes obras-primas, Hollywood inflou os filmes de acção de pretensiosismo obsceno e criou os blockbusters como hoje os conhecemos.

Claro que um fogo-de-artíficio é muito mais bonito do que uma simples explosão. Mas também é muito mais fútil. Por isso, o povo saturou-se rapidamente. E os action heroes desapareceram.

Não é por acaso que os blockbusters têm vindo a perder cada vez mais espectadores. É preciso fazer qualquer coisa em relação aos filmes de acção. E a solução pode estar numa série que tem feito furor por todo o mundo - 24. Jack Bauer é o último grande herói de acção. E pode vir a servir de exemplo a todo o cinema de acção dos próximos anos.

È certo que o formato televisivo de 24 beneficia de pormenores que o cinema não dipõe: a possibilidade de terminar sempre com um cliffhanger de apertar o coração, por exemplo. Mas os trunfos que falo não são esses. 24 cruza na perfeição um argumento inteligente, com os tão na moda twists constantes e, mais importante que tudo, a humanização do herói. É que agora, o herói de acção já não é um super-polícia capaz de matar cem capangas com um cotonete. Basta vermos os recentes casos de adaptações de super-heróis ao grande ecrã de sucesso - Super-Homem, Homem-Aranha, Hulk.. Tudo super-heróis com dilemas existenciais.

Por isso, o 24 pode e deve ser o futuro do cinema de acção - o próximo take. E ter heróis-polícia que não se importam de assassinar o Dennis Hopper a sangue-frio como vendeta pessoal também ajuda.